DOLCE VITA
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                         UM ENCONTRO EM DOIS TEMPOS




 
Aquela história precisava de um fim. E Luísa ainda não sabia nem ao menos por onde começar. Talvez a Física e suas leis pudessem ajudá-la a contar o que aconteceu entre eles.

Toda ação gera uma reação de igual intensidade e sentido contrário. Muitos anos depois que saiu da escola entendeu o que isto queria dizer. Aprendeu com ele o que era estar do outro lado.

No início, o encontro às avessas. O projeto da empresa foi a isca. Ela, arquiteta e ele, o engenheiro que chegaria da Alemanha no mês seguinte. A construção calculada para não durar. Luísa, recém-saída de um casamento conturbado. Gerard, ressentido com a ex-companheira que julgava injusta. E o encantamento que os envolveu, fulminante.

Conversavam como duas crianças que brincam. Risos e frases completadas ao mesmo tempo. A sintonia quando tudo ainda está na superfície. Era preciso mergulhar para conhecer. Quando ele chegou, quatro semanas depois, já se tratava de um reencontro, pois a sensação de intimidade a fez convidá-lo para jantar em sua casa.

A aproximação, apesar de natural, foi intensa demais. Luísa teve medo do que desejava e projetou nele sua imagem:

- Você é muito afoito!

- É a terceira lei do cara.

Ela lembrou das aulas de Física, da tal lei que falava da ação e reação e sentiu uma espécie de nostalgia, como se desse conta do que não viveriam e disse:

- Isto não vai durar tanto tempo.

- Se estiver à procura de leis, teorias e imortalidade, não.

O silêncio dela era triste e ele perguntou:

- Se durasse valeria mais?

- Gosto do que permanece.

- Prefiro que seja eterno enquanto dure.

Naquele exato instante, uma queda de energia fez as luzes se apagarem e ela não resistiu:

- Parece que durou pouco!

Gerard respondeu em tom divertido:

- E eu achei que citar Vinícius seria mais romântico do que Newton!

No instante seguinte, o retorno da energia a fez brincar novamente:

- Ficou mais claro agora!

A risada dos dois lembrava as primeiras conversas que tiveram. Antes de sair, ele disse:

- Nada é definitivo. Podemos seguir sem respostas e simplesmente viver.

Naquela noite, Luísa não dormiu. Gerard mostrou-se de uma forma tão crua, sem rodeios ou expectativas, mas ela havia transformado sua existência em uma partitura que impedia improvisações. Chorou como uma criança inconformada com o brinquedo perdido.

Dois anos depois, em uma noite de abril, atendeu ao telefone:

- Luísa?

Surpresa ao ouvi-lo, perguntou:

- Onde você está?

Gerard sorriu ao falar:

- Você nunca diz olá, como vai? Ou isto é uma espécie de privilégio ao contrário comigo?

- O que você acha?

- Lá vamos nós, de pergunta em pergunta. Pelo menos, não somos óbvios.

- Surpreenda-me, como sempre.

- Adivinha onde estou!

- No aeroporto.

- Olha a terceira lei do cara de novo. Meu vôo parte em dez minutos.

- Parte? Você não está chegando?

- Indo embora.

- Dois anos sem nos ver e você me liga para falar que está indo embora!

Ele apelou para ironia:

- Difícil resistir aos meus encantos?

Ela preferiu a verdade:

- Apenas aos desencantos.

Gerard estranhou:

- Sem ação e reação?

Luísa baixou a guarda. Não adiantava lutar.

- Minha vida, de repente, parece uma cena de Casablanca. Você no aeroporto indo embora.

- Lembra da última fala do filme?

Ela se agarrou ao senso de humor para traduzir o que sentia:

- Claro: "que seja o começo de uma bela amizade". Mas não vale! O Bogart fala isso para o policial que o ajudou e não para a Ingrid!

- Se você quisesse o outro papel, não ficaria comigo nem em minha vida. Ela partiu com o marido.

- É verdade.

- E então?

O silêncio e depois, a saída:

- Me resta Lavoisier.

Gerard parecia aliviado:

- De Newton para Lavoisier. Crescemos Luísa! Nada se perde nada se cria...

- Tudo se transforma.

O som da chamada para o vôo era a senha e como um dueto ensaiado durante anos, disseram ao mesmo tempo:

- Que seja o começo de uma bela amizade...






(*) IMAGEM: Google


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Enviado por Dolce Vita em 17/09/2010
Alterado em 22/09/2010
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