A cena se repetia em todos os encontros: ela rastejava pelo quarto até beijar os pés do amante. Gustavo nunca conseguira evitar o riso diante do patético desconforto de Alice. Longe de encarnar a fantasia de uma mulher submissa, o ritual era uma espécie de autopunição por suas traições. Durante a ausência do marido que viajara para um congresso em Roma (ou seria Tóquio?), houve uma noite em que Alice amaldiçoou sua vida. Rente ao chão empoeirado, palavrões se misturaram às lágrimas num quarto qualquer da cidade. Naquele dia — ao contrário de outros lugares decadentes — o casal de amantes se encontrou num hotel luxuoso. Pela primeira vez, foram para a cama sem ritual algum. Antes de sair, enquanto Gustavo ainda dormia, Alice deixou um bilhete sobre o travesseiro. Ela não sentia mais culpa nem vontade de estar com ele.