O velho bar da esquina criara fama no bairro, não exatamente pela qualidade do serviço. Toda a vizinhança comentava sobre as esquisitices do proprietário, o senhor Martinez, e os estranhos frequentadores do lugar.
Naquela noite fria, ao sair do trabalho, Ernesto — surpreendido pela chuva — resolveu abrigar-se no tal estabelecimento. No balcão, pediu uma dose de conhaque. O dono do bar disse que mandaria alguém servi-lo na mesa. E apontou para a única ainda vaga, ao fundo.
— Não posso beber aqui mesmo?
— Neste balcão só sirvo pinga.
Sem a menor pretensão de captar a lógica etílica do senhor Martinez, Ernesto acomodou-se na mesa indicada. Antes que o garçom tivesse tempo de servir o conhaque, um estranho sentou-se ao seu lado, e acendeu um cachimbo. Num piscar de olhos, o ar estava impregnado pelo forte aroma.
— E seu amigo? Vai querer também?
Ernesto queria dizer ao garçom que nunca havia visto aquele homem sentado à sua mesa, mas o estranho adiantara-se:
— Não, não. Odeio conhaque. Quero uísque. Duplo. E dos bons.
Lá fora, um verdadeiro dilúvio desabava ao som de trovões, e raios que riscavam o céu. A cada relâmpago, o senhor Martinez, satisfeito com o movimento do bar, contabilizava os pedidos. Tão cedo, ninguém sairia dali.
— Que temporal, meu amigo!
Não conseguindo mais disfarçar o desconforto provocado pelo estranho, Ernesto retrucou:
— O senhor me conhece?
O homem soltou uma longa baforada antes de responder:
— Claro que não.
— E por que sentou justamente aqui?
— Ora, muito simples, meu caro. Não bebo pinga. Não posso ficar no balcão.
(*) INSPIRADO NA ILUSTRAÇÃO
"Two Men Sitting with a Table, or the Smokers" , Honore Daumier