Os socos atingiram sua face com violência. João caiu na estrada de terra batida perdendo os sentidos. Ao recobrar a consciência estava num porão repleto de livros. Sentiu fortes dores pelo corpo. Em seu braço, um corte parara de sangrar. Tentou acalmar-se imaginando que tudo não passava de um sonho esquisito, embora algo dentro dele pudesse quase se divertir com aquela terrível situação. Pela primeira vez João se dava conta de que sua vida era feita de coisas estranhas.
Levantou-se com dificuldade. E estava agora diante da única saída no porão. Uma grande porta de madeira maciça. Trancada. Após desistir de encontrar uma chave jogada por ali, João teve vontade de gritar por socorro, mas permaneceu em silêncio, como se soubesse que nunca seria ouvido. Uma inesperada resignação bateu em seu peito.
Seus olhos percorreram as prateleiras de livros empoeirados. João pegou um deles. Tinha capa amarela. Sentado sobre um velho caixote, começou a ler. Inexplicavelmente o tempo passava sem que João sentisse sede ou fome. Seis meses depois, quando a angústia do isolamento havia se tornado insuportável, João arrancou a página de um livro. E começou a comer as palavras. Não todas. Apenas aquelas que, de alguma forma, traziam o gosto perdido de uma lembrança.