Horácio vislumbrou uma silhueta feminina na porta de vidro fosco. Lentamente, o detetive girou a chave enquanto se perguntava quem estaria no corredor: era Alice.
— Posso falar com você?
Sem dizer uma palavra, ele apontou para sua sala. Ao acomodar-se diante da surrada escrivaninha, Alice enrolou a alça da bolsa em volta dos dedos. Os elos da corrente dourada brilharam sobre sua pele.
— Reencontrei Antonio na semana passada.
Horácio foi direto:
— Valeu a pena?
Ela respirou fundo, antes de dizer:
— Imaginei tudo tão diferente.
O detetive observava Alice com atenção. Havia uma espécie de súplica no olhar daquela mulher que o lembrava de sua própria tristeza.
— Você acreditava que Antonio era a sua resposta?
Antes que Alice falasse qualquer coisa, Horácio pegou uma caixa dentro do móvel envidraçado deixando o objeto em cima da escrivaninha.
— Quando entrei na faculdade de Direito, Sofia apareceu na minha vida. Num piscar de olhos, eu era o cara mais feliz do mundo. Um ano depois, ela sofreu um misterioso acidente e não resistiu. Além dela, um homem armado também estava no carro e morreu. Ninguém sabia quem era ele. A polícia investigou o caso, mas não descobriu nada que o identificasse, como se o estranho nunca tivesse existido.
O detetive abriu a caixa onde guardava um velho gravador e uma grande quantidade de fitas.
— Eu tinha tantas perguntas. Precisava conversar com ela sobre tudo. Desde as coisas mais banais até a dor que sentia.
Alice olhava fixamente para o gravador, ao retrucar:
— Você deu jeito de dizer as coisas que queria.
Horácio pegou uma das fitas girando-a entre os dedos.
— Com o tempo eu tive de deixar as perguntas pra trás. Ou ficaria louco. Restaram as conversas...
Ela completou:
— E a saudade.
Naquele instante, não era apenas na história de Horácio que Alice pensava.
NOTA DA AUTORA:
ESTE CONTO FAZ PARTE DE UMA SÉRIE QUE COMEÇA COM O EPISÓDIO "A CASA DOS SUSSURROS". PARA MELHOR COMPREENSÃO DO ENREDO, LEIA A SEQUÊNCIA DOS CONTOS.