Naquela noite, Alice caminhava na rua deserta sem se importar com a chuva. Uma força comandava seus passos em direção a um sobrado amarelo. No instante em que empurrou a pesada porta de madeira entalhada, ela ouviu a voz de Antonio:
— É impossivel voltar no tempo.
Não havia ninguém além dela por ali. Ao entrar na sala iluminada por um lustre de cristal, Alice deparou-se com a enorme ampulheta, num canto. Na parte superior do objeto de vidro, a areia cintilava. Os minúsculos grãos escorriam lentamente e ao passarem para a outra parte, perdiam o brilho. Enquanto observava o movimento contínuo da areia, Alice sentiu um profundo cansaço: sua vida era um emaranhado de coisas estranhas.
E então a voz de Antonio soou com uma clareza quase irritante:
— Nossa história brilhava muito mais do que essa areia. Eu disse que te amava e as luzes se apagaram: você fugiu. Agora é tarde.
Como uma criança mimada, Alice tapou os ouvidos, antes de gritar:
— Não! Eu não quero ouvir!
A voz de Antonio retrucou:
— Não adianta, Alice. Estou aqui, dentro de você.
Ao acordar angustiada no meio da noite, ela teve medo de enlouquecer. Era impossível seguir em uma história que perdeu o brilho e o fôlego. Alice aprendera isso ao escrever. O amor por Antonio teria de ser deixado para trás, como uma página virada. Restaria ainda o tempo do vazio.
Alice pegou o bloco de notas na mesa de cabeceira. E inspirada pelo sonho que tivera, escreveu o início de seu primeiro romance intitulado "A Casa do Tempo". O livro levaria um ano para ser escrito. Por ironia do destino, no dia em que colocou o ponto final na trama, ela conheceu seu futuro marido. O nome dele? Quem lesse o segundo romance de Alice, descobriria muito mais do que isto.
NOTA DA AUTORA:
ESTE CONTO ENCERRA A SÉRIE QUE COMEÇOU COM O EPISÓDIO "A CASA DOS SUSSURROS". PARA MELHOR COMPREENSÃO DO ENREDO, LEIA A SEQUÊNCIA DOS CONTOS.