Ary Cardos apresentou-se ao eleitorado dizendo não ter a menor ideia do que faria, caso fosse eleito presidente da Absurdia. Segundo o candidato do Movimento Novíssima Antiguidade, nenhum político sabia lidar com o poder. Por isto, discutir planos de governo era uma grande farsa. O alerta aos absurdianos viria, sem qualquer constrangimento:
— Não esperem nada de mim. Mas aguardem tudo.
Durante o debate dos presidenciáveis, Ary Cardos conquistou muitos eleitores ao afirmar que entre "ser ou não ser: eis a questão", decretaria um rodízio para o dilema de Hamlet.
— Um dia eu sou, outro não.
E assim, Ary Cardos tornou-se a voz daqueles que desprezavam a coerência. Seus fiéis militantes sentiam vertigens, náuseas e tremores, sofrendo crises de abstinência, se o candidato não falasse algo estapafúrdio, pelo menos uma vez ao dia, nas redes sociais.
O fim de setembro anunciou a primavera em preto e branco de Absurdia, e o resultado oficial das eleições. Em um palanque abarrotado de bajuladores, Ary Cardos fez um brevíssimo discurso da vitória:
— No meu governo, a verdade não existe. E isto é uma verdade. Agora chega de filosofia. O jogo começou.
Na plateia, os seguidores histéricos gritavam o nome do presidente eleito. A política em Absurdia nunca mais seria a mesma.