O nome dele era Clementino, mas os moradores da pequena rua sem saída o apelidaram de Gogó Solto. Todas as quintas-feiras, no fim da tarde, lá estava ele, aos berros, discursando contra o governo, após generosas doses de cachaça. Entre palavrões e desabafos indignados, os moradores ainda ouviam aulas de História. Suas análises políticas regadas a pinga criaram fama no bairro. Numa tarde, alguém quis saber por que ele bebia para falar do país. Debochado, Gogó Solto disparou:
— Sou movido a álcool. Já viu o preço da gasolina?
Os protestos semanais do solitário rebelde esgotou a paciência de um morador, que chamou a polícia. Ao ver os guardas, imagens em preto e branco invadiram a mente de Gogó Solto. Num ato reflexo, ele se ajoelhou no asfalto e, com os braços levantados, gritou:
— Tremendo retrocesso.
Os policiais tiveram uma brevíssima conversa com ele e foram embora. Gogó Solto continuou a berrar sua aula imaginária sobre golpe de Estado. Quem prestasse alguma atenção perceberia a urgência de sua fala.
Depois daquele fim de tarde, o sumiço de Gogó Solto tornou-se o principal assunto da vizinhança. Ninguém sabia o que acontecera com o sujeito. Alguns imaginaram uma viagem. Talvez internação. Outros pensaram o pior: deram um jeito de silenciar o homem. E aquele ano terminaria sem o menor sinal do seu paradeiro. Gogó Solto estava a um passo de ser esquecido quando, numa quinta-feira, seu grito irreverente rompeu o silêncio da noite, na pequena rua sem saída: