Último Tango em Paris
Certos vazios podem ser preenchidos ou serão apenas vestígios, passíveis de serem "apagados" como se nunca houvessem existido?
Esta é uma das perguntas que me fiz diante da perturbadora obra de Bernardo Bertolucci.
A magnífica interpretação de Marlon Brando (Paul) define a alma do "Último Tango em Paris". Coube a Maria Schneider (Jeanne) o complicado e corajoso papel de contracenar em uma obra dominada pelo talento desmedido de Brando.
Para muitos o filme envelheceu. No entanto, justamente por considerá-lo atemporal em sua maior ferida, decidi escrever sobre uma das mais impressionantes experiências que o cinema me proporcionou.
Na época do seu lançamento, 1972, embora no Brasil tenha sido liberado apenas em 1979, provocou alarde por motivos, a meu ver, distantes do seu eixo central. O que sugere como é difícil ao ser humano, não apenas entender, mas reconhecer os caminhos que a dor trilha.
Em o "Último Tango em Paris" a questão erótica é a ponte de ligação entre dois desconhecidos. Ao mesmo tempo que o sexo busca negar a dor, traduz uma comunicação possível entre eles. Em outras palavras, o erotismo pode ser interpretado como a expressão emocional diante da perda, para o personagem de Brando (Paul), e pela crise desencadeada por um dilema, para a personagem de Maria Schneider (Jeanne).
Paul e Jeanne são dois estranhos ligados por uma coisa em comum: o sentido esvaziado de suas vidas. Ainda que este vazio alcance perspectivas e profundidades distintas para cada um dos personagens, será o fio condutor e o elo deste vínculo até o momento em que a desigualdade das lacunas se evidencie. O que expõe a distância do significado daquela experiência para cada um deles. E o elo se desfaz de forma irreversível.
Paul, devastado pela dor da perda da esposa, que cometeu suicídio, sente que foi abandonado sem nenhuma "explicação". E nessa ausência, o sentido de sua vida parece ruir. Por outro lado, a personagem de Schneider, jovem demais para construir com clareza um sentido para sua existência, revela, através de uma crise, outro vazio: o que ainda está por vir, o dilema diante da escolha de casar-se ou não com um cineasta.
O cenário dos encontros é um apartamento também vazio. Uma cenografia dessa alma à deriva, sem referências. Para o personagem de Brando, elas foram arrancadas pelo suicídio da esposa. E para sua parceira de cena, podem simbolizar a complicada decisão que a levará a construí-las.
Como entender essa dor que permanece intensa (ou intacta), mesmo quando procura negar-se pela "anestesia" do prazer físico?
A dor começa quando se conhece o nome de uma pessoa. Este é o significado de uma das frases, ditas pelo personagem de Brando. O "Último Tango em Paris" poderia ser visto por esta porta que se abre com o nome, adquire identidade e história. E passa a existir na vida de alguém. O vazio seria, então, preenchido pelo outro. E a dor, outra vez, por sua ausência.
No filme de Bernardo Bertolucci, as nuances deste vazio que, em vão, busca ser novamente preenchido, adquire os tons do desespero e passionalidade. Um mergulho angustiado e sem volta (literal e simbólica).
Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 18/04/2009