DOLCE VITA
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                                            Noites de Cabíria






Fellini é um caso de amor. E amar, dizia o poeta, se aprende amando.

A experiência de suas obras passa, principalmente, pela sensibilidade intrínseca à natureza de cada um e grau de contato com nosso mundo interno, isto é, o quanto nos conhecemos. Sem isso, não há diálogo com uma obra do mestre italiano.

Outra coisa: é claro que o conhecimento (histórico, cultural, social) pode trazer ferramentas de compreensão.

Entretanto, que ninguém se iluda. Se Fellini não tocou sua alma nem se instalou ali de forma visceral, não será pelo raciocínio que fará o caminho inverso porque nem todo o conhecimento do mundo é capaz de despertar a paixão.

Federico Fellini dizia ser diretor de só um filme. Na verdade isso pode ser melhor compreendido com sua definição sobre o que é fazer um filme: tentar recuperar um fio (do sentido) que se perdeu. E para contar esta história, uma viagem, no sentido simbólico, aparece em todas as suas obras como a representação da existência.

Se "Noites de Cabíria" é a história de uma prostituta, não creio que minha interpretação seja a mais adequada porque passa longe de se prender a isto.

O figurino e o gestual de Cabíria lembram muitas coisas. Entre elas, o personagem imortalizado de Chaplin. Assim como poderia sugerir, em alguns momentos, os movimentos de um fantoche, uma boneca de pano, uma figura circense. Algo que se adapta, molda e em outros momentos, se desloca para trazer uma ternura delicada e algumas vezes, desastrada, à personagem.

Vejo Cabíria como o arquétipo da resistência. Por outro lado, também, da "re-existência" ("resistir" poderia soar aos nossos ouvidos com o sentido de "voltar a existir").

A viagem, ou seja, a jornada de Cabíria, retratada por Fellini para retomar o tal fio do sentido, se inicia com a personagem vítima de uma desilusão amorosa e da violência. Ela é roubada e sobrevive a uma tentativa de afogamento.


A água, um dos elementos da natureza, quase a "engole", mas ela escapa. Essa água poderia representar a própria vida e o imponderável. Quantos golpes podem nos levar a naufragar ou reagir?

Cabíria volta para casa e se dá conta que poderia ter morrido. Neste exato instante, uma daquelas cenas fellinianas ilustram o sentido aparentemente perdido: a mulher pega uma galinha no colo e a afaga. O animal poderia ser melhor compreendido simbolicamente como o sentido da preservação. O instinto e a marca do sobrevivente.

No instante seguinte, volta para a sua vida. Recomeça.

Cabíria também é raiva e tristeza. Não pelo milagre pedido e que não acontece, mas porque entende que as pessoas à sua volta perdiam um tempo precioso de suas existências a esperar por isso. E talvez, o único "milagre" possível fosse prosseguir. Superar. E ela tenta. Recomeça.

Existe uma inteligência (intuitiva e instintiva) que se conecta à fibra demonstrada pela personagem. Por mais que ela se depare com o desengano, sua ligação com a vida é mais forte que seus infortúnios. Uma espécie de doçura que se preserva mesmo diante do amargo desespero.

Todo o filme é um eterno recomeço. Por isso, Cabíria "re-existe". A personagem representaria a possibilidade destas "novas existências".

E o fim é o mais intenso de todos os seus recomeços. Por um momento, jogada ao chão, sem casa, dinheiro e amor. A pele de seu rosto está colada à terra, outro elemento da natureza que simboliza a força de onde brota e floresce a vida.

Cabíria se levanta. A terra a "devolve para a vida" assim como a água no início. Nada conseguiu roubar de Cabíria a única coisa que poderia realmente ter acabado com ela: sua (doce) ligação com a vida.

Então é possível esboçar um sorriso diante das pessoas que cantam e se divertem na estrada. E, mais uma vez, recomeçar.

Afinal, qual o sentido da vida? A arte de Fellini é um deles.

Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 18/04/2009
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