DOLCE VITA
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                                         A Rosa Púrpura do Cairo
                                                   Woody Allen






Quando uma obra dialoga com seu espectador, muito além do sentido aparente, surgirá na tela como uma história dentro de outra.

E o que acontece quando o próprio filme trata de uma história dentro de outra?

Se você busca um texto que reproduza um dos melhores filmes de Woody Allen,  "A Rosa Púrpura do Cairo", sugiro que leia outras resenhas porque esta, provavelmente, é apenas a tradução mais pessoal e particular de todas que escrevi até hoje sobre cinema.

(Não coloquei os dados da ficha técnica propositadamente, assim o leitor poderá buscar em outros textos os caminhos mais reconhecidos de leitura desta obra).


Se deseja continuar a leitura, bem-vindo a bordo!

Por incrível que pareça, uma das primeiras coisas que lembrei ao assistir "A Rosa Púrpura do Cairo", foi uma frase de seu diretor: "A realidade é um lugar muito chato, mas é o único onde posso comer um bom bife!".

Pois é! Tantas coisas para pensar e vou me lembrar justamente disto? Quem sabe, seja esta experiência que o cinema promova de forma mais genuína: uma tradução particular, mesmo quando se propõe a ser universal.

Minha interpretação busca um sentido e como sempre, sai dos trilhos e se desdobra. E daquela frase de Allen surgiu outro questionamento: a visão atada ao pessimismo, tentaria nos justificar diante de nossas escolhas (ou da ausência delas)? E por mais paradoxal que pareça, não encontraria também uma possível explicação no grau de expectativas, fantasias e exigências infantis diante do outro?

Como se alguém, realmente, pudesse se responsabilizar pela nossa felicidade (ou infelicidade)? Colocar nas mãos alheias o que, na verdade, diz respeito às nossas decisões diante da vida, não nos tornaria reféns do improvável?

Afinal, esse outro tão idealizado, como um personagem de cinema que sai da tela ao nosso encontro, para oferecer uma solução mágica ao sofrimento, não poderia ser entendido, simbolicamente, como o prazer infantil que se deixa fantasiar para nos proteger da dor?

Ao projetar essa expectativa irreal no outro, nossa fantasia sairia da tela para nos resgatar e enfim, viveríamos, não apenas no cinema por duas horas, a história que nos encanta. E nosso desejo seria palpável! Tão palpável que estamos diante do que parece real.

E aí, suponho, reside o sentido simbólico que diferencia o papel do personagem e o papel do ator. O ator parece real porque representa sem ser. E nos convence. O que me faz pensar no sentido da ilusão. Quando nos iludimos, nem por isso deixamos de desejar ver algo real, como se estivéssemos diante de um ilusionista. O que podemos captar de seus movimentos é verdadeiro ou real?

Por outro lado, o personagem evoca o universo da fantasia, onde tudo parece sonho e terminaria bem. Não há dor e a pele não sangra porque não pode ser ferida, afinal o sangue é um dos sentidos simbólicos conectados à vida. E a dor, um sinal, ainda que desagradável, da consciência. Um personagem não possui nem uma coisa nem outra.

Apenas o ser humano pode emprestar a vida ao personagem. É esta a dimensão que confere a existência. E então, o papel do ator, brilhantemente dissociado de seu personagem, surge para reconduzi-lo à esfera da sua existência possível: a tela do cinema.

Mas, assim como a personagem de Mia Farrow, nos deixamos levar pela dissociação (a semelhança seria apenas física), de uma maneira muito próxima a que nos deixaríamos conduzir diante de um ilusionista. Vemos, mais uma vez, apenas o que desejamos (ou conseguimos) enxergar.

Esta seria outra maneira de olhar para as nuances concretas e simbólicas entre os papéis do personagem e do ator. Neste sentido, a viagem de volta, no avião, poderia ser interpretada como a consciência de que a "representação" havia chegado ao fim para o ator porque seu personagem retornara ao filme.

E, quem sabe, o que sugere tristeza no olhar, pudesse também ser entendido como o sentido do corte ou talvez, vazio, diante desse fim? Uma ilusão que se encerra? Uma história que acaba? Uma obra que termina?

E o retorno ao cinema, não poderia ser novamente interpretado como a fuga e negação dessa dor? Onde o personagem está eternizado na tela e essa permanência (ou deveria dizer presença idealizada?) nega o vazio e a percepção que, mais uma vez, confronta o desejo e a realidade entre uma sessão e outra?

"A Rosa Púrpura do Cairo" é um denso mergulho no sentido. E que pode revelar ainda mais, através do que não mostra abertamente, do que pelos sinais que evidencia. Como os movimentos de um ilusionista.

Em outras palavras, direção: Woody Allen.


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 23/04/2009
Alterado em 02/06/2009
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