Questões Ressentidas
"Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor".
Esta frase pinçada da música "A Flor e o Espinho", de autoria de Nelson Cavaquinho, Alcides Caminha e Guilherme Brito, desperta minha atenção ao pensar o que move o ressentimento.
Não quero tecer nenhuma teoria. É apenas mais uma idéia que surge motivando esta crônica.
Aliás, "crônica" e "ressentimento" não se encontrariam em uma das nuances de seus sentidos possíveis?
Voltando a frase: quem declara ao outro para retirar do cenário sua alegria, estaria sob o domínio da rigidez, colocando a pessoa em uma espécie de suspensão?
Ela ficaria ali, pendurada em si mesma pela dor que remói, e a cada vez que é ressentida, dilacera um pouco mais o sentido.
O etorno retorno ao centro da ferida, lembra uma das complicações da diabete: a dificuldade para cicatrizar. E esta doença está associada a outras complicações. A visão é uma delas. Além da restrição ao consumo de doces.
O sentido aqui é simbólico. Não há qualquer literalidade nisto, ou seja, não estou afirmando que o diabético é ressentido, mas empresto um sentido, uma representação que se encontra ali, no quadro de possibilidades de leitura e interpretação de algo.
Creio que uma das funções do pensamento é nos conduzir em muitas trilhas que podem (ou não) levar a alguma compreensão. Ao pensar em liberdade, as questões surgem com uma naturalidade curiosa que todo conhecimento ou, pelo menos, tentativa de atingi-lo, apresenta.
Uma das indagações que me faço neste instante diz respeito à visão.
O ressentido seria uma pessoa incapaz de preservar a doçura no olhar?
Se a resposta for afirmativa, por isso, não cicatrizaria suas feridas? Ele não conseguiria ser doce nem consigo mesmo?
Há no ressentimento e na recusa em enxergar a vida por outro prisma, uma dificuldade de abrir espaços e com isso, trazer luz ao que permanece preso ao círculo vicioso?
A dor que não encontra saída se alimenta de si mesma? E por isso é revivida?
Meu pensamento se desloca para o que chamamos de natureza ou temperamento. Existiria uma inteligência intuitiva naquele que percebe a importância da flexibilidade?
O sobrevivente seria um intuitivo por excelência? Aquele que entende que é preciso ser maleável, aberto aos movimentos das marés de suas circunstâncias?
Enquanto aquele que "quebra, mas não verga" um sério candidato a tornar sua existência improvável ou abreviá-la precocemente?
A capacidade de adaptação estaria exilada nas pessoas ressentidas?
E por isso, essa inteligência responsável pela preservação de cada um, enquanto ser biológico, determinaria o quanto podemos reagir, em um primeiro momento, diante das perdas?
São tantas questões e quem me lê deve ter notado que não nasci para bússola! No meu perfil está escrito a seguinte frase: não coleciono respostas. Ando mais interessada nas perguntas.
A direção e o sentido, na minha mente, mudam, muitas vezes, enquanto escrevo. E uma idéia me leva a outra e quando percebo, onde estava mesmo?
Não importa. Esta crônica é apenas um pretexto.
Confesso o óbvio. E estas confissões são quase divertidas se você preserva o senso de humor, ainda que tudo pareça mais parado que musculatura com botox!
Tenho medo de não arejar minhas idéias e cair na armadilha do ressentimento. Todo cuidado é pouco para conseguir inverter a frase e contar a história diferente.
E cantar diferente a história:
"Coloco o meu sorriso no caminho porque eu quero encerrar a minha dor."
(*) Foto: Google
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