DOLCE VITA
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                                               Amor Próprio





Confesso que a arte de Fellini me ajuda a viver. E a pensar em questões ao redor do valor.


Escrevo esta crônica inspirada nas magistrais interpretações da atriz Giulietta Masina, em duas obras primas do cineasta: "A Estrada da Vida"  (Gelsomina) e "Noites de Cabíria" (Cabíria).


As duas personagens fellinianas são confrontadas com seu destino. Ambas sofrem terríveis dissabores. No entanto, diante do infortúnio, cada uma reagirá de maneira totalmente diversa. E o ponto crucial que as diferencia gira em torno do valor que conferem a si mesmas.


Gelsomina parece oscilar entre a vontade de comunicar-se com o outro, estabelecer um vínculo afetivo, entender seu lugar e papel no mundo. A ponte do sentido é o afeto e o olhar do outro. Por isso, não consegue reconhecer seu próprio valor desvinculado dele.


Isso me faz pensar nas relações que estabelecem uma terceira identidade: a do casal. E se este casamento se desfaz, uma das partes não consegue perceber o valor de sua identidade pessoal porque não se reconhece mais singular.


A pessoa é (e busca) ser confirmada no olhar do parceiro. Se o vínculo termina, há uma lacuna onde o vazio desta nova identidade procura uma base para reconstruir-se. E muitos se sentem perdidos. Afinal, depois de tanto tempo em que o outro trouxe a referência de si mesmo, quem será agora aquele ser sem ele?


Em "A Estrada da Vida", a história se encaminha para um abandono. Entretanto quem realmente se abandona é a personagem Gelsomina. Este abandono é um ataque contra si mesma, a morte simbólica do sentido que a liga à vida. E a loucura a consome.


Depositar o valor de si própria no olhar do outro e esperar apenas dele sua força e reconhecimento para viver, traduz o distanciamento da realidade. Quando esse olhar sai de cena, não há o que fazer a não ser se retirar da vida.


Para negar a dor do abandono, Gelsomina rompe consigo e com a realidade. Seu valor parece ter partido com o homem amado. Estava depositado nele, como se fosse um guardião do seu sentido.


Por outro lado, relembremos a segunda personagem: Cabíria e sua jornada de desenganos, decepções e perdas. Muitas vezes, ao longo da história, ela se depara com o desespero de suas desilusões, sem no entanto, se deixar contaminar ou paralisar por isso.


Isto é possível porque Cabíria entende seu valor como algo que pertence a ela. Não está nem é transferível ao outro. Não passa por ele, por seu olhar nem aprovação. Talvez, o que possa explicar esta disposição interna, seja o grau inabalável de sua ligação com a vida. Ela acredita em si mesma. E nutre esperança. 

Ao apropriar-se do que é, e assim, tomar da vida aquilo que lhe pertence, Cabíria passa a protagonizar sua história, enquanto Gelsomina não conseguiu estabelecer-se no papel principal de sua existência. E foi coadjuvante de si mesma.



(*) Foto: Google


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 08/05/2009
Alterado em 14/05/2009
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