DOLCE VITA
INSTAGRAM: @dolcevitacontos
Capa Meu Diário Textos Áudios Perfil Livro de Visitas Contato Links
Textos
                                                              Mãe




                                         Esta crônica é dedicada a todas as mães
                                      e retrata um tempo onde a minha mãe era
                                        apenas uma menina. Uma jovem mulher.
                                                                       


                                                                                       





A história que se escreve com nossas vidas não precisa começar com uma recordação grandiosa. Uma frase quase tola pode emoldurar a fantasia de alguém e se tornar o marco de uma existência.


Um dia ela acreditou que se casaria com um príncipe. Essa frase foi repetida tantas vezes por sua tia predileta. Alguém que se tornou muito mais que uma referência afetiva ao mudar-se para São Paulo. Em sua cidade não havia outra forma de prosseguir os estudos.


Outra vida a aguardaria recompondo um horizonte diverso da infância regada com pouquíssimas doses de puro divertimento. Não era apenas a cidade pequenina. Suas possibilidades de entreter e encantar também estavam limitadas pelo controle rígido de seus pais.


A única liberdade era a da imaginação que voava com as ilustrações dos livros de contos de fada. Nas páginas coloridas um alento, a janela que oferecia uma fuga fantasiosa daquele mundo tão apertado que não permitia, nem mesmo, subir em árvores, coisa tão corriqueira naquela cidadezinha, mas proibida pela severa realidade.


A menina ingênua que em maio, vestida de anjo, levava flores brancas para coroar com devoção Nossa Senhora, precisava continuar seus estudos. O destino a levou para a cidade grande. Na bagagem pouca roupa, mas uma secreta alegria. O passaporte com o visto da esperança. Tudo era novo. Um desafio para sua capacidade de entendimento. Aos poucos a vida tomava outra dimensão.


O ritual religioso cedia lugar ao primeiro grande deslumbramento: o cinema. De tudo que viveu, nada se compara ao universo de sensações arrebatadoras que a invadiam, desde a textura das poltronas do Cine Metro, passando pela grandiosidade de sua tela e o sonho povoado pelos astros que traziam, a cada sessão, outra vida.


O coração batia alegre e ansioso ao acompanhar o movimento delicado das cortinas de veludo vermelho se abrirem para uma nova aventura. A magia das luzes se apagando para receber o brilho das estrelas. Com elas, viveu tantas vidas, chorou dores que não eram suas e gargalhou de felicidade por coisas que nem saberia descrever. Emprestou as emoções ao cinema mas, na verdade, era ele que oferecia o maior de todos os seus contentamentos.


Aromas e gostos também a transportam para aquela época. Sua tia e ela costumavam lanchar após os filmes. A lembrança da agradável surpresa do primeiro misto-quente está intacta. Uma tolice? Jamais para seus sentidos encantados. E a programação só terminava depois de uma visita às livrarias.


Voltar para casa não significava o fim da aventura. A tia era um ser especial. Transformou a estada em sua casa numa eterna sensação de acolhimento. Não conseguiria definir com exatidão a importância nem o significado, mas nunca esquecerá seus cuidados e delicadezas.


Detestava tomar leite, mas isto não era um problema para aquela mulher que mesclava inteligência e sensibilidade em medidas precisas. Assim, bastava um toque mágico e lá estava ela bebendo tudo. Como isso era possível? Simples. Uma colher de manteiga no leite quente. E, no instante seguinte, o que ela via? Estrelinhas na superfície do líquido.



Certas pessoas possuem o dom de suavizar os caminhos. Sua tia era uma delas. A gratidão e o amor são frutos de uma profunda admiração. Ela fez uma menina acreditar que seria capaz de conquistar o mundo. Suas palavras, encorajamentos e principalmente, seu afeto tiveram um impacto determinante, como se ela abrisse as portas para o que se desenvolveria de melhor em sua personalidade.


Treze anos mais tarde casou-se. O príncipe era um médico que iniciava seu trabalho na periferia da cidade. A realeza era seu caráter e a aventura de minha mãe, apenas começava.



(*) Foto: Google


http://www.dolcevita.prosaeverso.net

Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 08/05/2009
Alterado em 14/05/2009
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários