Textos
IMAGINAÇÃO
Contemplo a tela em branco desafiar minha imaginação, que resolve dar o ar da graça:
- E então? Vai escrever o que agora?
Por um momento faço de conta que nada aconteceu. Olho para a janela com cara de paisagem e novamente parece que escuto uma voz dentro de mim:
- Hei! Acorda! Você precisa começar essa crônica, lembra?
Não me contenho e penso alto:
- Ninguém vai acreditar! Estou falando com a minha própria imaginação!
E o diálogo interior prossegue:
- Esse embarque hoje está embolado! Sabe o que é isso?
- Nem ouso perguntar!
- Você está enrolando, mas ao leitor, não enrola, não!
Injuriada, rebato:
- Está viajando? Que idéia é essa?
- É justamente essa: você não tem a menor idéia sobre o que escrever hoje!
- Por que você acha isso?
- Querida escritora, minha presença neste diálogo é o quê? Desespero de causa crônica!
Retruco com veemência:
- Olha aqui! Imaginação fértil é ótimo, mas cruel é intolerável!
- Então, serei direta: o que vamos escrever nesta história?
- Ora! Eu deveria perguntar isso a você, afinal quem é a imaginação aqui?
- Claro! Tudo eu! Você não consegue fazer nada sem mim! Sou a roteirista que escolhe o tema, conflito, edito as cenas, elejo cenários, enfim, faço tudo nessa história!
- Essa é boa! Quem te ouve vai pensar que minha imaginação é coisa de cinema!
- Se minhas idéias ganharem um Oscar, dedico a você!
- Não seria o contrário, cara imaginação?
E aquela voz soava categórica ao responder:
- Você é tão travada que, na hora dos agradecimentos, se eu não assumir seu lugar, não haverá nem um mísero: "muito obrigada!"
- Você "se acha", cara imaginação!
- Só quando você "se perde", prezada escritora!
Irritada, concluo que, mesmo para minha imaginação, foi longe demais! E determino:
- Quem está perdida aqui? Eu te digo onde estamos! Dentro de uma história! Essa crônica é o encontro com uma parte de mim.
- Ou seja, eu!
- Sim, você, imaginação!
O cinismo imaginário cortou o ar:
- Essa idéia é muito original! E criativa, Dona Escritora!
- É mesmo? Então, vou em frente, com ou sem você!
- Ah! Mas não vai mesmo!
- E por que não?
- Porque sou a alma do que escreve.
Reflito, a contragosto, antes de admitir:
- É verdade, imaginação! O que seria de mim sem você?
A voz agora soava irreverente:
- Uma escritora sem inspiração!
- Ainda não foi dessa vez!
- Dona Escritora, você é abusada, hein?
- Que nada! Isso é só efeito da minha imaginação!
Levanto e vou tomar café. Escuto sua voz, ainda mais uma vez:
- Hei, onde você vai? E a crônica?
- É crônica, não tem fim!
E a voz parece rir antes de rebater:
- Nem cura!
(*) Imagem: Google
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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 26/05/2009
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