Textos
PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR
Uma vida não basta para conhecer Roma. Os italianos estão corretos. É a mais pura verdade. Ao desembarcar na capital italiana, pensei, como toda boa egocêntrica:
- E eu? Quantas vidas precisaria para me conhecer? Quantos becos, ruelas e cantos ainda estariam encobertos em minha alma?
Não sou mística. Nem acredito em outras vidas. Entretanto, passo a refletir sobre a sensação singular que aquela cidade despertou quando, mais uma vez, sou interrompida!
E minha imaginação entra em cena:
- Ainda bem que você não é mística. Seria uma frustração ainda maior!
- Eu não a chamei neste texto, imaginação!
- Nem precisa. Sou de casa! Mas voltando ao que tentava escrever, Dona Escritora! Você mal dá conta dessa vida! O que dirá de outras!
Tento disfarçar o riso, afinal essa voz imaginária está cada dia mais abusada e respondo:
- Limite é bom, sabia? Contenha-se!
- Ah! Dona Escritora! Danou-se! Você já é o limite em pessoa, se me censurar, não sobra uma linha sequer para o seu leitor. Pense nesse abnegado ser do outro lado, agora, tentando ler algo!
Sinto vontade de esganar a minha imaginação, mas não ficaria bem perder a linha nem o juízo. E escuto a figura:
- Juízo? Isso você nunca teve, Dona Escritora! Digamos que disfarça socialmente.
Reajo com alguma veemência:
- O que é isso?!
- Calma! Lembre-se dos leitores!
- Tem razão!
- Sempre tenho. Acumulo funções!
- Não tem jeito, mesmo! Você entrou nessa história! E sabe muito bem o que senti em Roma.
- Ah! Como sei! Você ama aquela cidade! Se bem que parece admirar ainda mais aqueles homens elegantes, charmosos, bem vestidos, lindos e...
- Pare, agora! Estou falando de Roma e não dos romanos!
- É! A imaginação fica mesmo por minha conta. De volta a cidade eterna.
Por um instante, fecho os olhos e penso na primeira vez que andei ali. Uma saudade de suspirar! E prossigo:
- Roma é a cidade do meu coração. Além disto, nada se compara àquela sensação avassaladora e inusitada. Enquanto andava por seus caminhos milenares, senti, com uma estranha clareza, que havia sido feliz, ali, em outra vida!
A risadinha sarcástica da minha imaginação acompanha o diagnóstico:
- Claro! Você foi feliz em outra vida, mas não acredita nisso. Logo, a conclusão é simples.
- Qual?
- O nome disso é bom gosto! Você se deslumbrou naquele lugar e sentiu que havia sido feliz.
- Será mesmo imaginação?
- Se não for, bom gosto e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém!
- Uma visão bastante racional, não?
A resposta é cínica:
- Imagino que sim.
Finjo não perceber e continuo:
- Reconheço que acho improvável viver outras vidas, embora respeite quem assim entenda a existência. Falo apenas por mim.
- Ah! Isso é verdade! Fale por você! E me "inclua fora disso"!
A petulância daquela voz imaginária aumenta a cada texto! Tento não demonstrar irritação:
- Quando penso na vida e nos desencontros, há quem acredite na força do destino. Outros falam em carma! Algumas pessoas me disseram que escolhi viver assim, antes mesmo de nascer!
- Bem, se isso for verdade, há uma explicação lógica!
Surpreendida, questiono:
- É mesmo? Qual?
- Se escolheu levar essa vida maluca, só poderia estar embriagada ou então, ofereceram apenas três opções!
Minha curiosidade é maior do que qualquer outra coisa:
- E quais seriam as três possibilidades?
- Primeira opção: piloto camicase na Segunda Guerra Mundial. Segunda opção: mulher bomba na Faixa de Gaza.
- E a terceira?
- Ser você!
(*) Imagem: Google
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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 02/06/2009
Alterado em 02/06/2009
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