DOLCE VITA
INSTAGRAM: @dolcevitacontos
Capa Meu Diário Textos Áudios Perfil Livro de Visitas Contato Links
Textos
                                  O SEGUNDO DEGRAU




Ana imaginou a cena milhares de vezes como em um filme que, a cada instante, mostra um enredo diferente. Naquela noite, uma das possibilidades seria contada. Restava descobrir qual delas.

A varanda de madeira circundava a casa. Ele estaria sentado em um dos degraus da escada de pedra. O portão de ferro não era problema. Estava destrancado e ela entraria afoita. Após a longa espera, sentiria vontade de correr.

A cada passo sua alegria desenhava o nome dele no chão. Quis gritar enquanto uma pequena curva no caminho ainda o escondia de seus olhos. Seguia repetindo para si mesma a semelhança da palavra e do nome: Luís… Luz.

O mundo pode ser um detalhe para quem ama em silêncio. Tentou não pensar na distância nem na possibilidade de estar equivocada. Agarrou-se ao instinto para guiá-la por um caminho desconhecido.

O cenário e o personagem contrariaram a versão idealizada. Luís não estava sentado na escada, mas parado na porta principal da varanda. Fez um sinal indicando que ela subisse. Para ele, o tempo havia passado. Ana começou a subir e, no segundo degrau, perguntou:

- Podemos sentar aqui?

- Mais uma vez, no meio do caminho, Ana? Venha. Suba!

Acomodada no degrau, sorriu e determinou em tom infantil:

- Vamos ficar aqui!

Luís desceu e sentou-se ao seu lado. Se não fosse do jeito dela, teriam uma longa noite. A presença tão próxima a fez sentir um perfume diferente:

- Você fez a barba! 

 Luís riu enquanto ela o estranhava:

- Que mudança!

- Ana, apenas você não muda! Só você!

Ela detestava admitir, mas Luís estava com a razão.

- Você me conhece. Não tenho defesa.

- Não me subestime. Você é mestra em se defender. Sou vítima e testemunha de sua especialidade.

Ana lembrou-se dos anos em que recusou todos os convites para se reencontrarem. Luís havia transformado uma paixão improvável em algo possível. E quis estar com ela de outras formas.

A pergunta dela o surpreendeu:

- Por que me recusei a te encontrar antes?

- E você pergunta isto justamente para mim?

- Ah! Eu não podia. Você sabe disto. Seria injusto comigo.

Luís esboçou um sorriso:

- Seu conceito de justiça é singular. Não te causou o menor problema ser injusta comigo.

- Não pense que é um privilégio apenas teu. Você não sabe o quanto me custou.

- É verdade. Não sei. Não leio pensamentos, Ana. Nem sentimentos. Prefiro quem os expressa.

- Por isso você é melhor do que eu. E talvez, também por isso, não me quis mais.

- Ana, eu recuei. Mudei de idéia. Tive minhas razões. Você nunca entendeu e por isto se manteve nesta posição no meio da escada que estamos agora.

- Meio da escada?

- Você não recua nem avança. Haveria formas menos elegantes de dizer isto, mas você merece minha sutileza.

Luís sorria e ela sem graça rebateu:

- Apesar de todas as minhas recusas em te ver, das dificuldades para me posicionar no começo ou no fim desta escada, você continua sendo a única pessoa a quem procuro. E você sabe que sou capaz desta idiotice.

Ele brincou:

- Qual idiotice? Me procurar ou ter em mim a única pessoa que você busca?

- Em qual delas me supero?

- Não vou responder a isto.

Ela insistiu:

- Mas é verdade. A única pessoa que procuro é você. Muitas vezes me pergunto o que você fez ou deixou de fazer para que eu permaneça por perto.

O silêncio que Ana aprendeu a conhecer como a si mesma prolongou sua espera. Finalmente, ele disse:

- Eu nunca usaria um artifício para manter alguém na minha vida. Este é o seu problema, Ana. O estoque de artifícios sempre foram teus.

- Você está sendo severo demais comigo.

- Estou sendo franco. Você sabe o que significa na minha vida. Eu até agora não sei se sou um capricho da tua vaidade ou...

Ana interrompeu:

- Não é isso! Eu não sei explicar.

- Ninguém além de você mesma sabe o que sente. É por isso que eu recuei. Não adiantava subir esta escada sozinho enquanto você brinca no meio dela como uma criança que se recusa a crescer.

- Você está certo.

- E nem por isso, mais feliz.

Novamente sozinho, Luís subiu a escada. 
 



 
(*) IMAGEM: Google




http://www.dolcevita.prosaeverso.net
 

 
 

Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 22/07/2009
Alterado em 02/09/2010
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários