OS TORMENTOS DE CUPIDO
Cupido deitou-se no divã fixando o olhar no ventilador de teto. Após um longo suspiro, desatou a falar:
— Minha licença termina em uma semana. Mas a ideia de voltar ao trabalho tá me deixando maluco. Quando vejo meu arco e flecha, tenho vontade de jogar tudo no lixo.
A psicanalista fez uma breve anotação e em seguida questionou o paciente:
— Você não acredita mais no amor?
Num movimento brusco, Cupido sentou-se no divã e encarou a terapeuta:
— Eu não acredito mais em mim. Minha pontaria é um fracasso. A cada dez casais flechados, cinco se separam e três não se suportam. E nem estou contando os relacionamentos tóxicos que me fizeram pedir licença por insalubridade.
Por um momento, ele interrompeu a fala e desviou o olhar em direção à janela entreaberta. E então disse:
— A verdade é uma só: eu não tenho vocação pra esse trabalho.
Naquele exato instante, o som das badaladas do sino da igreja, do outro lado da rua, invadiu a sala. Cupido não se conteve:
— Parece que fui abençoado por dizer a verdade.
A terapeuta esboçou um sorriso, e concluiu:
— Você lança a flecha que desperta o amor e coloca duas pessoas no mesmo barco. Mas a viagem depende dos apaixonados. O amor, senhor Cupido, dá um trabalho danado, todo o tempo.
(*) IMAGEM: GREGORY PECK E INGRID BERGMAN
"QUANDO FALA O CORAÇÃO"
DIREÇÃO: ALFRED HITCHCOCK
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