Como de costume, o restaurante estava lotado e o burburinho das conversas dominando o ambiente. Naquele horário, os funcionários dos escritórios ao redor se apertavam ali como se fosse o único restaurante da cidade.
Victor ocupava uma mesa colada à janela. Gostava de observar o movimento da rua enquanto aguardava seu prato predileto: arroz, feijão, bife e batata frita.
E então, do nada, ela surgiu ao lado dele:
— Preciso de um favor teu. Finja que me conhece há anos.
Antes que ele tivesse tempo de dizer qualquer coisa, a mulher sentou-se à sua frente e estendeu a mão:
— Vamos começar pelos nomes. Muito prazer, Eva.
Talvez por reflexo, Victor apertou a mão dela, ainda tentando entender o que estava acontecendo.
— Victor.
Apesar da abordagem inesperada, ele se lembrava vagamente de tê-la visto no restaurante e no elevador do prédio onde funcionava seu escritório.
— Te assustei com esse meu jeito impulsivo? Mas eu não sou louca, fique tranquilo — disse ela, piscando compulsivamente.
Impressionado com a quantidade de piscadas, Victor perguntou:
— Você está com algum problema nos olhos?
Eva parou de piscar no mesmo instante:
— Ah, não! Foi esse rímel maldito… Peguei o errado e agora ele está me matando.
A explicação não ajudou muito. Victor não fazia a menor ideia da sensação que um rímel provocava. Mas seu olhar atento registrou alguns detalhes da aparência dela: os cabelos lisos e brilhantes, a maquiagem discreta, a camisa branca de seda e a saia preta. O conjunto passava uma impressão de elegância natural.
Por um momento, ambos permaneceram calados, enquanto o som de talheres tocando os pratos ecoava ao fundo. Victor criou mil teorias sobre Eva — maluca, inconsequente, golpista? Lembrou-se de um filme perturbador, mas algo lhe dizia que não era nada disso. A curiosidade crescia. Do outro lado, Eva buscava coragem. Respirou fundo e abriu o jogo.
— Eu poderia te contar uma longa história. Mas a verdade é simples: estou divorciada há dez anos. E não sei mais o que é estar com alguém. Dividir um momento. Um segredo. Uma gargalhada. Não sei explicar, mas todas as vezes em que nos esbarramos aqui ou no prédio comercial, eu tive a sensação de que você é uma boa pessoa. Foi aí que me veio essa ideia…
Ela parou de falar, desviando o olhar em direção à janela. Os raios do sol iluminavam uma parte de seus cabelos, e Victor sentiu que Eva dizia a verdade. E isso tornava tudo mais curioso, estranho e, ao mesmo tempo, incrivelmente humano.
— Me conte que ideia é essa.
Eva voltou a encarar Victor e disse:
— Quero ensaiar com você. É isso mesmo que você ouviu. Ensaiar. Acho que não sei mais me relacionar com um homem. Não. Não me refiro a romance. Quero ensaiar uma amizade. Não é um bom começo?
Havia algo no olhar de Eva que misturava nervosismo e sinceridade. Talvez fosse essa combinação que a tornava tão interessante — uma mulher que parecia um enigma. Um enigma que valia a pena decifrar.
A ideia de Eva fez Victor pensar: e se a vida pudesse ser ensaiada?
Teria evitado o divórcio? Escolhido outra carreira? Mas talvez a dor fosse inevitável — afinal, a vida machucava, com ou sem ensaio.
Victor sorriu enquanto tocava levemente a mão de Eva, como se estivesse selando um pacto, e respondeu com sinceridade:
— Você quer um bom começo? Seja minha amiga de verdade.
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