Daniel era um cara de hábitos singulares. No verão, não saía de casa. A luminosidade dos dias ensolarados ora o irritava, ora o entristecia. Talvez porque o calor escaldante o lembrasse do colégio interno, na pequena cidade do interior, onde o verão significava dias sufocantes que se arrastavam. Por ali, ninguém usava ar-condicionado, ventilador… nem um mísero leque. E o cheiro de suor impregnava os corredores.
Nas manhãs abafadas, ele arriscava ir até a janela. Abria ligeiramente a cortina, resmungando:
— Céu azul. Nem uma nuvem. Nada.
Mas tudo mudava no inverno.
O frio cortante alegrava até os seus pulmões: um oásis no deserto da sua solidão. Daniel se sentia revigorado. A sensação de plenitude era tamanha que ele só se apaixonava nos dias gelados. Quanto mais rigoroso o inverno, mais incandescente a nova paixão.
Naquele ano, quando a estação dos amores de Daniel chegou, ele conheceu Gisele em uma balada. As mãos geladas daquela mulher o enfeitiçaram. Dançar de corpo colado no frio era um sonho. E, ao lado da ruiva exuberante, noites regadas a vinho tinto, música envolvente e puro desejo fizeram seu inverno passar voando.
Bastou a temperatura subir alguns graus para Daniel perceber que era hora de terminar o namoro. Gisele não entendeu nada: a química entre os dois não poderia ser mais perfeita.
Mas Daniel não tinha saída. Se falasse a verdade, revelando sua mania de amar apenas na estação fria, Gisele diria que era loucura. E por louco ele não queria passar.
Então, preferiu mentir:
— Gigi, você é muita areia pro meu caminhãozinho.
Gisele encarou Daniel e sorriu aliviada:
— Eu adoro um caminhãozinho.
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