Desde que fora abandonada no altar, ela lembrava uma estátua sob o véu do ressentimento.
Era o segundo caso amoroso do marido. Desta vez não haveria perdão. De malas prontas, deixaria uma longa carta: aquele punhado de pedacinhos de papel espalhados sobre a mesa.
A melhor amiga que tentava confortá-la, estranhou:
— Uma carta rasgada?
— Ele nunca lê o que escrevo.
Nos desencontramos. Ele me procurava atrás das minhas palavras, e eu, ali, à frente delas.
Giulietta era uma bruxa. Avessa às montanhas e florestas, morava no interior de uma famosa fonte em Roma. Naquela manhã, após berrar os costumeiros palavrões em direção ao céu ensolarado — qual a graça de um dia sem nuvens? —, ela avistou um homem despejando moedas de ouro nas águas de sua casa. Curiosa, Giulietta materializou-se bem ali, diante do sujeito, hipnotizando-o. Enquanto apreciava a perturbadora beleza do mortal, sussurrou no ouvido dele:
— Eu sou tudo que você tem.
Então o homem abriu os olhos. E completamente encantado, disse:
— Você é a mulher mais bonita que eu já vi.
Giulietta sorriu, antes de responder:
— É... Acho que eu posso viver ouvindo isto.
(*) IMAGEM: MARCELLO MASTROIANNI e ANITA EKBERG
"LA DOLCE VITA"
DIREÇÃO FEDERICO FELLINI
Foi noiva por dezenove anos.